O estranho caso da água que congela mais rápido — e o que isso nos diz sobre a Física
Você já ouviu a frase “água quente congela antes da água fria”? Parece contraintuitivo — afinal, quanto mais quente algo está, mais tempo deveria levar para esfriar até o ponto de congelamento. Mas esse efeito, observado por várias pessoas ao longo da história e batizado de Efeito Mpemba
CIÊNCIAS
Marina Costa — redatora científica
9/5/20253 min ler


O que é o Efeito Mpemba?
O nome vem de Erasto Mpemba, um estudante da Tanzânia que, em 1963, notou que misturas aquecidas de sorvete congelavam mais rápido que as frias. A observação ganhou atenção científica décadas depois. O “efeito” não é uma lei universal — não acontece sempre — mas sob condições específicas, a água inicialmente mais quente alcança o estado sólido antes da água mais fria.
Por que isso não quebra as leis da termodinâmica?
Antes de mergulhar nas explicações, um alívio: o Efeito Mpemba não contradiz as leis da termodinâmica. A energia térmica total, a transferência de calor e a entropia continuam obedecendo às mesmas regras. O que muda é como o calor é perdido e quais processos auxiliares estão em jogo — e aí entram vários mecanismos que, combinados, podem acelerar o congelamento da água quente.
Possíveis explicações — e porque é complicado
A comunidade científica não chegou a um consenso definitivo. Eis as hipóteses principais — muitas vezes atuando em conjunto:
Evaporação mais rápida: água quente perde mais massa por evaporação. Menos água significa menos volume a ser resfriado e congelado, o que pode acelerar o processo.
Convecção e estratificação térmica: a água quente pode desenvolver correntes convectivas que uniformizam a temperatura do líquido mais rapidamente; já a água “fria” pode permanecer estratificada, retardando a perda de calor.
Super-resfriamento e nucleação: água pura pode ser resfriada abaixo de 0 °C sem congelar (super-resfriamento). Impurezas, bolhas e microestruturas influenciam onde e quando os cristais de gelo nucleiam. Água aquecida pode perder gases dissolvidos e mudar a facilidade com que glaciações começam.
Mudanças na concentração de solutos: aquecer pode alterar a concentração de sais ou gases dissolvidos (por exemplo, ao ferver), mudando o ponto de congelamento localmente.
Interação com o ambiente: se o recipiente quente altera localmente a temperatura da superfície onde repousa (por exemplo, promovendo formação de gelo mais rápido no fundo por contato térmico), isso pode favorecer o congelamento mais rápido.
Por serem muitos fatores dependentes de condições experimentais (formato do recipiente, materiais, ventilação, pureza da água, diferença de temperatura inicial), resultados variam muito — é por isso que o efeito é difícil de generalizar.


Experimento simples (e seguro) para testar em casa
Quer ver com seus próprios olhos? Faça um experimento controlado e compare:
Materiais: duas tigelas plásticas idênticas, termômetro, água da torneira, freezer.
Encha uma tigela com água quente (não fervendo — por volta de 60 °C) e outra com água fria (~20 °C). Meça e anote as temperaturas.
Use volumes iguais nas tigelas e coloque-as em posições equivalentes no freezer (distanciadas das paredes e uma da outra).
Abra o freezer o mínimo possível e, a cada 10–15 minutos, verifique rapidamente (e anote) a temperatura de cada uma. Registre quando cada uma começa a formar gelo.
Observe: às vezes a água quente congela primeiro; outras vezes não. Anote as condições e repita variando apenas um fator por vez (ex.: usar água destilada vs. água da torneira, trocar os recipientes, etc.).
Importante: evite usar água fervente direto no plástico (risco de deformação e queimaduras), e tome cuidado ao abrir o freezer para não interferir demais na experiência.
O que esse efeito nos ensina sobre a Física (e a ciência)
O Efeito Mpemba é um excelente exemplo de como a natureza costuma ser complexa — fenômenos simples na aparência podem emergir de múltiplos mecanismos interagindo. Ele mostra também a importância de:
Controle experimental: variáveis pequenas podem mudar totalmente o resultado.
Humildade científica: observações cotidianas (até de estudantes e curiosos) podem revelar problemas científicos não resolvidos.
Interdisciplinaridade: entender o efeito exige termodinâmica, física de fluidos, química da água e até ciência dos materiais.
Conclusão — curiosidade que vira investigação
A ciência avança a partir de perguntas estranhas como essa. O Efeito Mpemba não é só um truque de festa — é um convite para experimentar, registrar e pensar criticamente. Se você tem um blog, um vídeo curto descrevendo seu próprio experimento caseiro pode engajar muito público: mostre os dados, fale sobre variáveis que testou e convide leitores a enviar resultados. Ciência é comunidade — e curiosidade é o melhor ponto de partida.